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Análise: Hellblade: Senua’s Sacrifice (Switch) aventura-se nas profundezas da mente humana

A jornada pelo inferno pessoal de Senua nos ensina que, apesar de toda a escuridão, sempre há uma luz no caminho à frente.


O Ninja Theory, que hoje faz parte dos estúdios da Microsoft, é conhecido por desenvolver jogos com um foco maior na experiência e na narrativa, trazendo no currículo produções com boa recepção da crítica como Heavenly Sword (PS3) e Enslaved: Odyssey to the West (Multi) - além do controverso DmC: Devil May Cry (Muti). Como características marcantes, há combates bem feitos, belíssima direção de arte e, pelo menos nos dois primeiros jogos, personagens com grande apelo emocional.



Mas é a produção mais recente do estúdio que, além de trazer tudo isso que mencionamos, carrega coragem e ousadia para trazer uma experiência mais extraordinária e única alcançada pelo estúdio - ainda que não seja perfeita. Trata-se de Hellblade: Senua’s Sacrifice, jogo que chegou recentemente ao Switch como fruto da parceria firmada entre a dona da marca Xbox e a Nintendo.

Uma passeio pela escuridão

A primeira característica que torna Hellblade interessante se refere ao um dos assuntos abordados no jogo: transtornos psicológicos. De fato, o tema não é simples de ser apresentado com a devida delicadeza e é fácil cometer erros. Embora discutir sobre doenças mentais ainda seja considerado algo controverso, já existem materiais (como séries de TV e filmes) que o fizeram antes. As pessoas no geral já sabem que o assunto existe e deve ser debatido - embora ainda exista uma necessidade maior de compreensão sobre ele. Mas e quanto aos games? Existe algum jogo que consiga abordar um assunto tão delicado de maneira eficiente, sem cair em clichês ou definições incorretas?



Hellblade, Senua’s Sacrifice é fruto de um intenso trabalho de pesquisa feito pelo Ninja Theory. Os desenvolvedores passaram meses conversando com psicólogos e pacientes que sofrem de psicose, obtendo o conhecimento necessário sobre o que acontece na mente dessas pessoas. O objetivo era criar
um jogo capaz de transmitir, de maneira mais real possível, uma experiência sensorial complexa desses transtornos. Seria possível apresentar as sensações da psicose para quem nunca passou por ela?


A história é fortemente inspirada por elementos nórdicos. Conhecemos Senua, uma guerreira celta que sofre de psicose. Após o seu lar ser sido invadido por vikings, ela testemunha seu amado Dillion ser assassinado - o que agrava ainda mais sua doença mental. Decidida a ter seu companheiro de volta de qualquer forma, ela decide partir em uma jornada direto a Helheim, o mundo dos mortos governado pela deusa Hela. Toda a jornada é vivenciada pelos olhos de Senua, que possui sua própria forma de enxergar tudo o que está ao seu redor.


Os transtornos sofridos por ela influenciam completamente tudo o que acontece durante o gameplay. Não existe uma HUD, e as informações relevantes são apresentadas ao jogador conforme a progressão, sem um tutorial específico. O jogo basicamente se trata de uma grande aventura de exploração, resolução de puzzles e trechos de combate. Não é difícil pegar o jeito, mas é preciso compreender como funciona a mente de Senua e que tudo é experimentado através de sua percepção.

O jogador experimenta diversas sensações geradas pelos transtornos dela. Senua ouve vozes que constantemente giram ao redor de sua cabeça - algumas insistem em tentar fazê-la desistir de sua jornada e a criticam, já outras até dão incentivo e até ajudam. Ela também enxerga símbolos nórdicos em vários lugares, formados pelas silhuetas de determinados objetos e que tem relação direta com a progressão pelos cenários. Há momentos tensos onde existe a sensação de ser engolido aos poucos por uma escuridão cada vez mais sufocante. Já em outros, as alucinações de Senua nos conduzem a belas visões, com cores estouradas e formas distorcidas.


O que é real, e o que é fruto do imaginário? A resposta para essa pergunta é complexa, já que Senua tem a sua própria forma de interagir com o mundo, e sua jornada também é sua autodescoberta. A história de Hellblade é o seu ponto mais importante e, para aproveitá-lo ao máximo, é preciso estar interessado em entrar de cabeça no mundo de Senua e acompanhar seu desenvolvimento até o fim. Se você não é o tipo de jogador que se interessa por esse tipo de característica, talvez este título não seja para você.


Mecânicas simples e puzzles confusos

Munida de sua espada, Senua precisa cruzar seu próprio inferno pessoal em busca de seus objetivos, como uma verdadeira “espada do inferno”. Os inimigos incluem algumas variações de guerreiros trajando fantasias vikings, portando armas brancas e escudos. Os comandos incluem botões para ataques fracos, ataques fortes, golpes corpo-a-corpo e esquivas. Também é possível se defender de ataques pressionando o botão L, recurso que conta com um tempo certo para que a defesa seja mais efetiva. As mecânicas de combate são simples, mas funcionam bem dentro da proposta do jogo.



Saber o momento certo de atacar ou se defender é crucial durante as batalhas. Também é necessário observar os arredores, principalmente quando há a presença de mais de um inimigo ao mesmo tempo. Eles podem atacar Senua pelas costas, causando um grande estrago. Nesses momentos, a esquiva pode ser de grande ajuda.

Em um determinado momento do jogo, Senua começa a ser afetada por uma podridão negra em seu braço. Essa mancha subirá pelo corpo da personagem cada vez que o jogador falhar em sua missão e, caso ela chegue até a cabeça, será necessário recomeçar toda a aventura. O jogo possui dificuldade automática, mas em nenhum momento apresentou-se excessivamente exigente nos combates. Portanto, essa penalidade não é algo que ocorrerá tão facilmente. De qualquer forma, é possível definir um nível específico de dificuldade nos menus.


A exploração é outro ponto importante em Hellblade, mas aqui as coisas podem ficar um pouco confusas. Por exemplo, algumas áreas possuem portões trancados, e Senua deverá resolver puzzles para prosseguir. As alucinações sofridas pela personagem influenciam nessas seções, e ao atravessar determinadas localizações, alguns elementos do cenário podem mudar de lugar completamente, como se Senua fosse capaz de reimaginar o local em que se encontra.



Nem sempre fica evidente para onde o jogador deve seguir para abrir o caminho certo, portanto, prepare-se para alguns exercícios de paciência para progredir, já que essas mecânicas estão praticamente por todo o jogo. Até existem alguns puzzles com elementos mais interessantes, e todos são implementações do estúdio que unem a doença mental de Senua com as interações com o jogador - infelizmente, isso não evita que eles sejam massantes de vez em quando.


Por conta do grande trabalho desenvolvido pelo estúdio com os sons, jogar Hellblade no modo portátil com usando fones de ouvido é uma experiência muito mais imersiva. As vozes que Senua ouve passeiam ao redor da cabeça do jogador. O som ambiente, o barulhos dos passos e das espadas em choque nas batalhas, e as músicas... tudo isso ajuda a criar uma atmosfera muito mais empolgante.

Outro aspecto a ser elogiado é a atuação da atriz Melina Juergens, responsável pela voz e aparência de Senua. Todas as sensações, como o drama, o sofrimentos e a força de vontade da personagem são perfeitos e intensos. O trabalho feito nesse aspecto foi realmente espetacular. A caracterização da personagem segue o estilo visual da mitologia nórdica, assim como tudo o que está ao redor.


Desempenho no Switch

Hellblade é um jogo incrivelmente bonito em suas versões para PS4 e Xbox One. No Switch, mais uma vez temos uma versão competente e que faz jus ao jogo original, ainda que com alguns problemas.

Naturalmente, concessões tiveram que ser feitas no visual do jogo para que o híbrido da Nintendo pudesse suportá-lo. Algumas texturas foram simplificadas, enquanto alguns objetos e efeitos do cenário foram removidos - como pedras, árvores e névoa. Nada disso compromete efetivamente a experiência, e o resultado que vemos na dock do Switch é muito próximo das versões anteriores do jogo. Ao passar para o modo portátil, a única diferença notável é a redução da resolução, o que torna os modelos um pouco mais serrilhados e a qualidade fica um pouco mais baixa.


Durante as jogatinas, experimentei alguns bugs - principalmente ao deixar o modo portátil e colocar o console na dock. Em uma das vezes, o jogo pareceu manter seu desempenho do modo portátil, apresentando visuais inferiores ao que deveria. Também houve um momento em que alguns objetos se mantinham aparecendo e sumindo por todo o cenário, como se estivessem piscando sem parar. E em outra vez, um problema de colisão me impedia de subir uma escada e prosseguir. Todos os problemas me obrigaram a reiniciar o jogo para que desaparecessem.

A verdadeira luz te aguarda no final

Hellblade é um dos jogos mais singulares que existem e funciona como uma experiência, fruto de uma grande dedicação do estúdio em abordar um tema sensível com perfeição. O título consegue representar de muito próxima diversas sensações relacionadas à psicose. A identificação com os temas é incrivelmente tocante, e mesmo aqueles que nunca passaram por transtornos desse tipo terão uma ideia de como é.



Embora a jornada seja repleta de escuridão e sofrimento, Hellblade também nos apresenta a luz que existe mais à frente - uma lição que é tão importante quando todo o caminho percorrido até lá. É preciso se deixar ser absorvido pelo jogo e entrar de cabeça no mundo de Senua. Os pequenos problemas não são capazes de ofuscar por completo seus grandes acertos, e por fim temos uma jornada que vale muito pena.



Se desejar saber mais sobre o desenvolvimento de Hellblade, assista ao documentário produzido pelo estúdio que apresenta vários detalhes da pesquisa desenvolvida. O vídeo também está incluído em todas as cópias do jogo.

Prós

  • Aborda temas de transtornos psicológicos muito bem;
  • Atuação espetacular da atriz Melina Juergens;
  • Belíssimos visuais;
  • Efeitos sonoros bem feitos;
  • Controles simples e eficientes;
  • Gameplay fluída nas sequências de combate.

Contras

  • Puzzles um pouco confusos;
  • Pequenos bugs que exigem reiniciar o jogo.
Hellblade: Senua’s Sacrifice - XBO/ PS4/ Switch - Nota 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: André Carvalho
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ninja Theory


Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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