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Análise: Lucah: Born of a Dream (Switch): uma jornada intimista por um mundo sombrio e violento

Com um gameplay acessível e uma narrativa ambígua, Lucah apresenta uma experiência peculiar que vale muito a pena.


Desenvolvido pela pequena equipe de melessthanthree, Lucah: Born of a Dream é um RPG de ação muito peculiar. Como descrito em sua página do Kickstarter, a jornada que o jogo apresenta é algo profundamente pessoal. Sua narrativa coloca o jogador diante de um mundo sombrio e violento, em uma saga para encontrar alguma forma de enfrentar o caos e aceitar a si mesmo.

Uma jornada abstrata e intimista

A primeira coisa que chama atenção é claramente o visual. Com traços rabiscados e coloridos, o mundo de Lucah é abstrato, confuso e visceral. Explorar seus ambientes e lutar contra os monstros que neles habitam é como vasculhar os desenhos de uma criança que incorporam os seus mais profundos pesadelos.


E é essa a experiência proposta. Lucah conta a história de uma criança marcada, cujos poderes mágicos fazem com que ela seja alvo dos ataques de criaturas chamadas Nightmares. Cercado de inimigos e com a possibilidade de ser corrompido pelo seu próprio poder, o jogador avança em busca de alguma forma de salvação.

Mais do que um épico sobre as conquistas do herói, a jornada se mostra muito mais uma experiência de auto-conhecimento. Conforme encontra novas situações, o jogador é instigado a se questionar sobre suas ações e os seus possíveis desdobramentos. No entanto, essas experiências são sempre ambíguas. Sua narrativa é pensada não para ser compreendida de forma lógica, mas sim como uma poesia que toca intimamente o jogador e o leva a refletir.


Essa ambiguidade é ao mesmo tempo uma de suas maiores qualidades e um de seus maiores defeitos. Por um lado, em seus momentos mais inspirados, Lucah apresenta uma experiência atmosférica com a qual o jogador pode se conectar de forma profunda. Por outro, caso essa relação emocional não seja estabelecida, é muito mais provável que se sinta perdido e considere a história completamente incoerente.

Um mundo violento

Obviamente nem só de narrativa se faz o jogo. Lucah se destaca com um gameplay simples e intuitivo. Mas também apresenta bastante detalhe e opções de customização. Em termos de ataques básicos, há uma versão fraca e outra forte e é possível executar combos com elas, mas há uma limitação devido ao custo de stamina para atacar.

Segurar o botão que executa esses golpes libera uma espécie de onda que é bastante poderosa e consome charge, algo como um MP do jogo. Esse atributo também é consumido pelo uso de magia, que muda de acordo com o familiar que o jogador equipa. Ao longo do game é possível conseguir vários e cada um tem sua própria habilidade, como cura ou tipos diferentes de ataque.


Além deles, o jogador pode equipar diferentes mantras, que são as armas do jogo. Cada uma possui uma área de efeito e habilidades diferentes, alterando drasticamente os golpes disponíveis. Por exemplo, no meu caso, montei uma build que era mais focada em manter distância dos inimigos e por isso causava menos dano.

Mas, como o jogo permite a criação de duas builds que podem ser alternadas durante a batalha com o aperto de um botão, tinha à minha disposição um segundo equipamento focado em causar mais dano corpo-a-corpo. Dessa forma, o game permite uma boa customização do personagem, adequando os seus ataques à forma com a qual o jogador se sente mais confortável de enfrentar as batalhas.


Outro aspecto interessante da batalha é a mecânica de “quebrar” os inimigos. Quando o jogador acerta um golpe enquanto seu adversário prepara para lhe causar dano, ou seja, um counter, o inimigo é atingido pelo status break, que além de deixá-lo atordoado, faz com que fique mais vulnerável temporariamente. Esse mesmo efeito também é ativado quando o jogador ataca com bastante frequência ou através do parry, o uso do botão de corrida em direção ao inimigo no momento exato de um ataque.

Também é possível aprender novas habilidades chamadas Virtues. Elas apresentam uma variedade de efeitos que valorizam o domínio dos elementos básicos do jogo. Um bom exemplo disso é uma Virtue que congela o tempo quando o jogador faz o uso preciso do botão de corrida para fugir de ataques.

Apesar de todos esses detalhes, aprender a jogar é bastante intuitivo para qualquer pessoa com alguma experiência no gênero. E mesmo para as que não estão habituadas, a presença de um autolock nos inimigos próximos e a possibilidade de modular a dificuldade a qualquer momento (tanto em termos de dano recebido e causado quanto com a possibilidade de ativar “cheats”) são fatores que contribuem bastante para que o jogador possa aproveitar o game da sua maneira.

Também me chamou atenção a possibilidade de remapear os botões. Como inicialmente o jogo utilizava o B para confirmar e o A para cancelar, um padrão que inverte a lógica usual dos consoles da Nintendo, foi bastante satisfatório ter essa opção. Todos esses elementos oferecem um grande controle ao jogador, o que torna as batalhas bastante agradáveis, o que também é favorecido pela agilidade e responsividade das ações do personagem.

Além do fim do mundo


Batalhar para sobreviver também tem outro efeito no gameplay. Conforme o tempo passa e a cada vez que o jogador recebe dano ou é derrotado, sua barra de corrupção no canto superior direito da tela aumenta. Chegar em 100% significa um fim prematuro, logo é importante controlá-la, mesmo que ela a princípio não cresça tão rapidamente.

Ao mesmo tempo, a experiência de ser completamente corrompido também não é totalmente ruim, revelando detalhes sobre a história e sendo apenas um dos finais presentes no jogo. Assim como sua narrativa, Lucah é mais sobre uma experiência abstrata que pode ser extremamente significativa para alguns jogadores ou apenas mais um RPG de ação para outros. O mesmo pode ser dito para seu estilo de arte que é extremamente adequado ao tema, mas claramente pode desagradar vários jogadores, ou sua trilha sonora eletrônica que alterna entre alguns momentos particularmente inspirados e atmosféricos e outros estridentes e irritantes.


De forma geral, Lucah: Born of a Dream oferece uma experiência muito peculiar que vale a pena ser experimentada. Mesmo que a ambiguidade de sua narrativa seja uma faca de dois gumes, é inegável a grande competência de seu gameplay simples, mas cheio de opções para fazer o jogador se sentir confortável.

Prós

  • Estilo visual rabiscado único;
  • Batalhas simples com mecânicas intuitivas; 
  • Boas opções para customizar a build do personagem;
  • Em seus melhores momentos, a experiência é atmosférica e tocante;
  • Possibilidade de remapear os botões.

Contras

  • Sua história ambígua pode ser confusa e incomodar alguns jogadores;
  • Em seus piores momentos, a trilha sonora chega a ser incômoda.
Lucah: Born of a Dream Switch/PC —Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: André Carvalho
Análise produzida com cópia digital cedida pela Syndicate Atomic

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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