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Análise: My Lovely Daughter (Switch) - o preço de uma alma

Jogue fora o tabu sobre transmutação humana: crie e sacrifique homunculus para reviver a sua filha.


Seja com a fantástica obra de Goethe, “Fausto”, ou o “Homem de Areia”, de Hoffmann, ou até mesmo com o ótimo enredo de Fullmetal Alchemist, muitas pessoas já ouviram falar das artes obscuras, de bruxarias, e, mais especificamente, de alquimia. É claro, muitos RPGs olham para o lado fantasioso disso, como Nelke & the Legendary Alchemists: Ateliers of the New World, mas em My Lovely Daughter o jogador, através de Faust, usará os seus conhecimentos alquímicos para reviver a sua filha; tudo isso em uma narrativa pesada e com elementos de gameplay interessantes.

A imagem de Faust(o)

Para quem conhece mesmo que minimamente o grande mito de Fausto, saberá de imediato que o nome do protagonista não é mera coincidência. Superficialmente falando, o jogo se encaixaria como uma reimaginação do mito, ainda se solidificando como uma história única e muito interessante, principalmente sob a perspectiva de uma narrativa interativa.

O jogo começa com Faust acordando confuso, aparentemente sem memória. Após transitar pela sua casa um pouco, encontra uma menina sentada em sua cama, quieta e parada. Sua pele está pálida, mas seus músculos ainda não definharam completamente. Logo após constatar que está morta, o protagonista vê semelhanças em seu rosto e a reconhece como a sua filha.


Faust não aceita esse resultado e busca por respostas. Ao lado da cama encontra, então, uma soul orb, um produto extremamente complexo que apenas um alquimista excelente poderia fazer. Ali naquela esfera está a alma de sua filha, Arhea, mas ela está enfraquecendo, perdendo a sua força vital.

Para corrigir isso, Faust introduz a principal mecânica do jogo: fazer homúnculos (ou seja, humanóides vivos feitos por alquimistas) sacrificáveis. Dessa forma, seria possível manter a sua filha viva enquanto também procura qual seria a exata medida para salvá-la. Porém, esses homúnculos recém criados não possuem uma afinidade humana grande e, para resolver isso, Faust decide que eles devem conviver em sociedade.

As 4 emoções

A soul orb é preenchida com um valor numérico para quatro categorias, cada uma representando uma emoção essencial ao humano: tristeza, felicidade, medo e raiva. Todos os homúnculos criados, portanto, entrarão em uma dessas categorias. Por exemplo, ao criar um homúnculo de fogo (utilizando duas carnes e um ferro), naturalmente ele será do “tipo” raiva, já um homúnculo de flores (utilizando duas águas e uma madeira) será feliz.

Aqui corro um enorme risco de estragar uma parte integral de My Lovely Daughter, que é justamente a experimentação (alquímica), logo, evitarei entrar em muitos detalhes que possam comprometer isso, já que é um jogo essencialmente narrativo. Porém, o loop básico é que você faz alguns homúnculos de acordo com os materiais que adquiriu, preenche todos os seus quartos atuais com eles e, então, fica na cidade por uma semana, delegando trabalhos para as suas criações. Dessa forma, além de adquirir dinheiro, seus homúnculos ganham pontos de experiência, aumentando a sua afinidade com a sua emoção.

Ao chegar na quarta semana de cada mês, Faust poderá sacrificar suas criações para tentar energizar a soul orb e, se tiver sucesso, salvará a sua filha. Com essa simples descrição do gameplay fica bem visível a quantidade de gerenciamento esperada do jogador e, mesmo que seja simples, é mais que suficiente para nos entreter enquanto estamos progredindo pela história.

Existem outras coisas que não foram mencionadas, mas que também entram nesse contexto de gerenciamento, como a preservação do corpo da filha, algumas tarefas e missões de NPCs da cidade, eventos relevantes para descobrir o que aconteceu com Faust… enfim, há uma boa variedade.

Terror e suspense

Acho importante esclarecer a tonalidade do jogo, pois acredito que ela seja o principal fator que irá interessar ou desinteressar alguém. O estilo de arte é extremamente macabro, o que estilisticamente faz muito sentido e casa muito bem com o enredo pesado, porém, não existem os famosos jump scares. Isso é fantástico! Eu, particularmente, tendo a não gostar de filmes e jogos de terror justamente por esse fator, mas em My Lovely Daughter o que causou o suspense e me deixou tenso durante (e, até certo ponto, após) a minha experiência foi a magnífica construção do ambiente.

Ainda evitando spoilers, há sim um final definitivo, mesmo tendo outros possíveis. E, o melhor: diferentemente de outros jogos narrativos com elementos parecidos, aqui tudo faz muito sentido. Raramente eu fico com a vontade de saber / ir atrás dos finais alternativos, mas aqui eu acabei esbarrando com alguns deles até chegar, sozinho, no final verdadeiro.

Além de ser um grande feito no ponto de vista de jogabilidade, narrativamente todos cumprem uma função muito bem posta para cada possibilidade pré-estabelecida pelos sistemas de gameplay. Raramente isso acontece, e My Lovely Daughter merece um grande elogio por isso.

Por fim, como todo jogo focado na experiência narrativa, uma análise corre o risco de olhar demais para elementos de gameplay, ou, ainda pior, o tempo de duração. Entendo a frustração de querer que uma mídia específica tenha uma duração maior, mas esse tipo de jogo só funciona bem se for nessa medida (vide o loop de adquirir dinheiro na cidade: ele ficaria extremamente entediante se o jogo fosse mais longo).

A construção de Faust até o final é ótima e é feita com base em elementos únicos ao meio digital. Meus únicos problemas com esse jogo são relacionados a alguns aspectos da progressão econômica, os itens consumíveis e passivos, entre outros detalhes menores que, na minha opinião, prejudicam um pouco a experiência. Em suma, recomendo My Lovely Daughter para qualquer fã de histórias sinistras e que queira viver o trágico destino do alquimista Faust.

Prós:

  • Enredo bem desenvolvido;
  • A construção do protagonista é “metalinguística” e excelente;
  • Estilo visual casa muito bem com a ambientação narrativa;
  • Mecânica de criar e sacrificar homúnculos é interessante e bem feita.

Contras:

  • Interface na cidade poderia ser melhor otimizada;
  • Progressão de nível e dinheiro poderia ser revisada. 
My Lovely Daughter - Switch/PC - Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise feita com cópia digital cedida pela Toge Productions

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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