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Análise: SNK 40th Anniversary Collection (Switch) é um verdadeiro museu interativo

Mesmo que a qualidade dos jogos disponíveis varie bastante, o esmero na apresentação faz desta coletânea um exemplo a ser seguido por outras produtoras.


Se você alguma vez entrou em um fliperama durante as décadas de 80 ou 90, deve lembrar daquela chuva de luzes e sons vibrantes vindas dos gabinetes. Mas apesar de atraentes, aquelas máquinas escondiam alguns segredos. Entre dezenas de opções, eram poucos os jogos realmente gratificantes e que valiam o investimento de uma ficha. O resto, quase sempre, tinha uma qualidade duvidosa ou simplesmente era difícil demais para ser aproveitado por mais do que um minuto ou dois.



As máquinas comedoras de fichinhas estavam sempre à espreita, tentando seduzir o jogador desavisado com aquele visual fantástico, adesivos cheios de estilo nas laterais e sons chamativos. Eram como vozes chamando o seu inconsciente, não é mesmo? Agora imagine que essa coletânea, SNK 40th Anniversary Collection, é exatamente isso: um velho e barulhento fliperama, recheado com aquelas saudosas luzes e sons de antigamente. Mas cuidado, nem todas as máquinas valem a sua valiosa ficha!
Street Smart foi o primeiro jogo de luta da SNK

Entre arcades e versões caseiras

SNK 40th Anniversary Collection apresenta em seu catálogo quatorze títulos. Mas não espere pelos grandes clássicos da era de ouro da empresa japonesa nos arcades e no Neo Geo, quando seus jogos de luta e ação, como The King of Fighters e Metal Slug, faziam a cabeça da molecada. Nessa seleção, a SNK e a desenvolvedora Digital Eclipse focaram seus esforços no início da trajetória da companhia, mais precisamente nos jogos lançados antes de 1990.

São seis títulos de ação e tiro (Guerrilla War, Ikari Warriors, Ikari Warriors II: Victory Road, Ikari III: The Rescue, Iron Tank e TNK III), três shoot'em ups (Alpha Mission, Prehistoric Isle e Vanguard), dois de ação e plataforma (Athena e Psycho Soldier), um beat'em up (P.O.W.), um RPG (Crystalis) e um game de luta (Street Smart). Apesar de, a princípio, parecer uma lista limitada, há dois fatores interessantes a serem analisados.
Novos jogos serão adicionados à lista via DLC grátis
O primeiro é que sete desses games apresentam a opção de jogar não somente a versão original de arcade, mas também os ports caseiros para NES. Portanto, se levarmos em consideração os originais e suas adaptações levemente alteradas, a lista sobe para 21 títulos. É claro que se tratam de versões com as limitações do console doméstico, mas muitos deles apresentam conteúdo extra e até mudanças na jogabilidade que valem uma conferida.

O outro fator importante é que a SNK já prometeu dois pacotes gratuitos de DLC, a serem disponibilizados após o lançamento da coleção. O primeiro agregará cinco games ao acervo (Chopper I, Fantasy, Munch Mobile, Sasuke vs Commander e Time Soldiers) e o segundo mais seis (Bermuda Triangle, Paddle Mania, Beast Busters, SAR, World Wars e Zma Wars). Ou seja, no final das contas o pacote terá um total de vinte e cinco títulos oficiais — e o número cresce se contarmos as versões alternativas. É uma quantidade razoável.
Prehistoric Isle é um ótimo shoot'em up horizontal

Celebrando a história da SNK

As primeiras coisas que chamam a atenção ao começarmos a explorar os menus da coletânea são o evidente capricho dos desenvolvedores e a quantidade impressionante de conteúdo verdadeiramente curado especificamente para este lançamento. É inegável a quantidade de amor envolvido nas escolhas estéticas e de opções disponíveis. A apresentação é realmente estonteante.

Ao selecionarmos a opção Museum no menu principal, somos levados a um museu interativo da empresa. Em "SNK Complete Works 1978-1990" podemos viajar de forma cronológica entre os mais importantes lançamentos do início da vida da companhia japonesa, até 1990 — e não apenas entre os jogáveis nesta coleção. Cada um deles contém artes conceituais e de divulgação, além de diversas curiosidades e detalhes sobre as máquinas em questão.
O museu é um show à parte
Em "Bonus Feature" podemos explorar outros materiais variados da empresa, desde flyers de divulgação, storyboards, rascunhos, fotos de guide books oficiais em japonês e até algumas raridades — incluindo fotos e informações sobre Tangram Q, o título perdido e nunca lançado da SNK. Por fim, em "Game Soundtracks" podemos ouvir as trilhas sonoras de doze jogos presentes na seleção. É, sem dúvidas, um museu de respeito!

Velhos jogos, funcionalidades modernas

A dedicação aos extras não termina nesse fantástico museu interativo. A Digital Eclipse também tomou muito cuidado em entregar diversas recursos na hora em que a ação começa. Todos os títulos apresentam opções de display com resolução original, ampliada ou em tela cheia (esticando a imagem). Além de filtros e da possibilidade de jogar em modo portrait (retrato), com a imagem tomando a tela do Switch de forma vertical. Esse modo vertical é bem bacana para aproveitar os shooters que estão originalmente nesse formato, como Ikari Warriors e Alpha Mission.
O modo portrait é ótimo para os shooters verticais
Durante a jogatina, diversas alternativas deixam os dificílimos jogos do pacote um pouco mais palatáveis. Além da já tradicional função de salvar e recuperar o progresso a qualquer momento, há também a opção de rewind (rebobinar) ao apertarmos o botão L1. Ou seja, em qualquer momento da partida é possível voltar um enorme período ao apertar de um botão. Acredite, você vai usar essa opção seguidamente se quiser ver os créditos da maioria desses games duríssimos.

A coletânea também oferece a interessante função "Watch", na qual podemos assistir uma partida inteira de cada um dos jogos. E o melhor: é possível assumir o controle em qualquer momento do playthrough. Achei essa opção particularmente útil para entender algumas funcionalidades não tão claras de alguns games (dispensando aquela espiada no YouTube). Como se todos esses extras e cuidados não fossem o suficiente, ainda há um pequeno conjunto de achievements (conquistas) para aqueles que gostam de desafios — embora a maioria deles seja liberada apenas terminando determinado jogo.
A coletânea conta com modo pixel perfect e filtros que emulam monitor e TV CRT

Fazendo valer as suas fichas virtuais

A produtora também merece os parabéns no quesito emulação. Os jogos rodam de forma quase perfeita tanto em modo portátil quanto no dock do Switch. Os controles estão precisos e até mesmo os defeitos e limitações das versões de arcade e NES aparecem exatamente como costumava ser antigamente, com os seus devidos slowdowns e pixels piscantes. É interessante perceber como a manutenção dessas características — que antes achávamos negativas — têm um efeito nostálgico quando experimentamos novamente.

Os títulos que mais me chamaram a atenção logo que vi a lista completa foram, sem dúvidas, os shooters que conhecia desde a época do NES. Em especial os três da série Ikari Warriors, Guerrilla Wars e TNKIII (ou Iron Tank no 8-bit da Nintendo). As versões domésticas eram bem famosas na época, mas não há como negar que são infinitamente inferiores às suas contrapartes do arcade, que possuem gráficos melhores e controles muito mais precisos ao utilizar os dois direcionais para mirar e andar.
Ikari Warriors ficou excelente com controles estilo twin-stick (dois direcionais)
No entanto, também fui surpreendido positivamente por jogos como Vanguard, excelente título de nave dos primórdios da empresa e que conta com tiros em quatro direções e mudanças constantes de perspectiva (uma novidade para a época), e Prehistoric Isle, um ótimo shooter horizontal com belíssimos gráficos cheios de cores vibrantes e temática bastante interessante.

Mais um destaque vai para P.O.W., beat'em up com temática militar que apresenta um estilo semelhante ao de Double Dragon, mas neste caso com gráficos e jogabilidade bem mais evoluídos em sua versão arcade. Também está presente a versão lançada para NES, que apesar de contar com áreas inéditas, novas armas e inimigos diferentes, dispensou a opção para dois jogadores e apresenta gráficos e gameplay consideravelmente mais precários.
P.O.W. é um beat'em up com temática militar para dois jogadores
Street Smart também chama a atenção por ser o primeiro jogo de luta lançado pela SNK. É uma adição extremamente interessante para a coletânea, mas não espere encontrar a qualidade dos títulos de luta posteriores da companhia. Com um estilo que lembra mais Pit Fighter do que Fatal Fury, vale muito mais pela curiosidade histórica do que por sua jogabilidade limitadíssima.

Mas de todos os nomes da lista, acredito que Crystalis será o mais apreciado pelos fãs da SNK. Lançado sem muito alarde para NES em 1990, o game acabou ficando à sombra de outros clássicos do console 8-bit da Nintendo e dos chamativos lançamentos do novíssimo Mega Drive, da SEGA. Agora, Crystalis recebe uma segunda chance no Switch e continua um ótimo jogo. Trata-se de um RPG de ação que lembra muito The Legend of Zelda.
Crystalis é um excelente RPG de ação

Antigos (e novos) problemas

A maioria dos jogos presentes no acervo possui um game design muito particular. São de uma época dos arcades na qual a missão das máquinas era divertir o jogador por alguns poucos minutos e, em seguida, liquidá-lo implacavelmente na esperança de que outras fichas continuassem a descer. A consequência disso foram títulos completamente desbalanceados e brutalmente difíceis. Esse design é replicado de forma perfeita aqui, portanto prepare-se para um desafio por vezes até injusto — mesmo com a possibilidade de salvar e rebobinar as partidas a qualquer momento.

De qualquer forma, encontrei muita diversão ao revisitar alguns clássicos que alegraram a minha infância nos arcades, como Ikari Warriors e Street Smart. Por outro lado, outros games só me trouxeram ansiedade e irritação, o que não é um bom sinal. Athena, por exemplo, continua sendo um péssimo exemplo de platformer, tanto em sua versão arcade quanto do NES. Alpha Mission (também em versão arcade e caseira), apesar de ter um gameplay que lembra muito o clássico Xevious, é de uma dificuldade brutal e sem sentido. Já Iron Tank até é interessante, mas sofre com a limitação dos controles de NES — problema que atinge todos os ports domésticos de jogos no mesmo estilo.
A dificuldade alta era o menor dos problemas de Athena
Não há qualquer tipo de modo online e, a princípio, a jogatina com dois jogadores utilizando apenas uma dupla de Joy-Con também não está disponível. Ou seja, jogar com os amigos só é possível com quatro Joy-Con (dois para cada player) ou com um Pro Controller. Esse problema será parcialmente resolvido no lançamento da coletânea, quando uma atualização promete permitir o modo "single stick" para os jogos de tiro (Ikari Warriors, Victory Road, T.N.K. III e Guerrilla War). Desta forma, dois jogadores podem se aventurar juntos usando um Joy-Con cada.
Cada jogo possui opções particulares de controles para o multiplayer

Um presente muito bem embalado

Percebeu como o grande destaque da coletânea não é exatamente a qualidade dos jogos, mas tudo o que os envolvem? A satisfação pode variar consideravelmente conforme a expectativa do jogador. O pacote tem uma embalagem linda e caprichada, mas é impossível não sentir falta daqueles games mais famosos — e melhores — da década de 90. E, apesar de muito bem curados, grande parte dos títulos presentes aqui (e dos que virão mais tarde) não fazem jus à qualidade da apresentação.

Por outro lado, a coleção é extremamente válida como uma celebração da história da SNK antes da chegada de seus clássicos incontestáveis. Muito mais do que um simples acervo de videogames, SNK 40th Anniversary Collection é um museu interativo, uma viagem pelos primeiros dez anos de uma das mais prolíferas e importantes empresas de games. É um presente para os entusiastas dessa indústria, embalado com um carinho sem precedentes.
SNK 40th Anniversary Collection é uma viagem pela história da empresa

Prós

  • Museu interativo com uma quantidade impressionante de conteúdo extra;
  • Qualidade impecável de emulação dos jogos, com várias opções de display;
  • Funcionalidades modernas interessantes que facilitam a vida do jogador;
  • Crystalis.

Contras

  • Alguns títulos não envelheceram bem ou pecam no game design;
  • Multiplayer limitado.
SNK 40th Anniversary Collection — Switch — Nota: 8.0
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS América

Comunicador e colecionador. Já foi Sega kid e Nintendo kid, agora é retro "kid". Está no Twitter em @carloscirne e faz vídeos no YouTube no canal CirneStuff.
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